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ESCRITOS

improvável //-


Havia um homem incapaz de lançar uma moeda que resultasse em cara, e não foram poucas as vezes que este homem lançou moedas na vida. Há de ser uma das incapacidades mais desejáveis, pois esta lhe rendeu grande fortuna: era desafiado por apostadores do mundo todo, cada um com suas próprias moedas, e sempre saía vitorioso. Podia lançar a mesma moeda múltiplas vezes, ou muitas moedas de uma só vez; e de qualquer maneira que jogasse, o resultado sempre era esperado. Obtinha coroa até em moedas especiais, cunhada com duas faces idênticas.

Pois houve uma vez, apenas uma, em que o homem lançou uma moeda e obteve cara. Não se sabe se a aposta era alta, quem estava apostando, ou até se havia mesmo algo em jogo; na verdade, não poderia haver ocasião tão desimportante como aquela, não fosse o resultado tão imprevisível. Muitas moedas lançara antes, e muitas mais depois, sem nunca mais obter este resultado. Evento tão único, talvez impossível — qual haveria de ser a probabilidade? Certamente muito pequena. Talvez pequena demais para se representar em números; talvez somando todas as vezes que lançara moedas na vida (que não eram poucas, pois ganhava a vida lançando-as) e dividindo este imenso número por um, a única vez que obteve cara, talvez aí poderíamos ter uma idéia. Mesmo assim, não conseguiríamos alcançar nem pequena fração do que realmente representou este momento extraordinário; evento milagroso, acontecido entre um segundo e outro, que somente dizia respeito a ele. Diz-se que foi o momento de maior êxtase naquela vida, e talvez em qualquer outra; único momento de genuína felicidade.

O homem então continuou lançando moedas. E, desde aquele dia, mesmo tendo a certeza que jamais alcançaria novamente tal feito, e tendo continuado apostando acertadamente, desejava em cada lançamento que o resultado fosse desfavorável. Era seu propósito, e, de fato, sua motivação, que viesse a errar somente mais uma vez na vida, pois aquela ocasião tão vã — a vergonhosa derrota numa carreira que teria sido perfeita — era justamente a ocasião que ele desejava repetir. Mas não se repetiu. E então morreu, assim como (quase) todos os homens haverão de morrer.



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